2014 foi o ano mais quente de todo o
registro histórico, iniciado em 1880. 2015 deverá bater esse recorde por
uma ampla margem. Ao atingir 400 partes por milhão, a concentração de
dióxido de carbono (CO2) mostra valores inéditos nos últimos 3 milhões
de anos, reconstituindo a atmosfera de um tempo em que os mares eram
pelo menos 6 metros mais elevados do que nos dias de hoje. A queima de
combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural) para geração de
energia e no transporte, somada ao desmatamento são os principais
fatores dessa escalada. Outros gases de efeito estufa, produzidos a
partir de atividades agropecuárias, como o metano (CH4) e o óxido
nitroso (N2O) também estão com concentrações muito acima daquelas
observadas antes do advento da era industrial. Outros ainda, como os
gases de refrigeração chamados de “halocarbonetos”, sequer existiam no
ar do nosso planeta.
A atmosfera é uma delicada demão de verniz que recobre nosso mundo. Se um automóvel pudesse se deslocar diretamente para cima, respeitando limites de velocidade de qualquer autoestrada, em 15 minutos já teria passado por 95% da massa de ar que ela contém. Tênue, delgada e frágil é essa barreira reguladora que controla as trocas de energia entre o sistema Terra e o espaço. A presença em excesso de gases de efeito estufa nessa atmosfera faz com que uma quantidade de calor formidável fique aprisionada no planeta, o equivalente à energia liberada na explosão de 4 bombas de Hiroshima a cada segundo, quase 350 mil dessas bombas num único dia, mais de 120 milhões delas a cada ano.
A cada dia fica mais evidente que não existe questão mais urgente a ser tratada globalmente do que a crise climática. Cresce a fúria das supertempestades, como o Katrina, que vitimou mais de duas mil pessoas em New Orleans ao Haiyan, que matou mais de 6000 filipinos. Secas se tornam mais severas, castigando regiões em 4 continentes, incluindo nossos Nordeste e Sudeste. Ondas de calor se revelam cada vez mais mortíferas, como se viu este ano na Índia e Paquistão à Itália e outros países da Europa; do Irã e Iraque ao Japão. Incêndios têm devastado biomas em locais inesperados como o Alaska e a Sibéria. O degelo nas montanhas e dos mantos da Groenlândia e Antártica se acelera, e o gelo marinho do Ártico desaparece a olhos vistos, obrigando até mesmo uma revisão dos atlas escolares. As projeções apresentadas, por exemplo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (o IPCC, ligado à ONU), têm-se mostrado, na verdade, subestimadas. A realidade é ainda mais grave e as alterações no clima e no ambiente global, mais rápidas.
Engana-se quem acha que a crise climática é uma questão que diz respeito “às elites”. Pelo contrário. Habitantes de países-ilha e de regiões semi-áridas, povos originários do Ártico à Amazônia, idosos e crianças pobres são os que pagam o preço mais elevado do aquecimento do sistema climático terrestre. Trazendo ameaças ao abastecimento de água, à produção de alimentos, aos modos de vida das comunidades tradicionais, às cidades litorâneas, é certo que as mudanças climáticas atingirão a todos em todo lugar, mas como num enorme Titanic com portões cerrados na terceira classe, a marca dos seus impactos é a marca da desigualdade.
Na verdade, evitar o caos climático global é impossível sem que vários dos interesses econômicos mais poderosos sejam atingidos. Isto começa, obviamente, pela indústria de combustíveis fósseis, que inclui algumas das maiores e mais poderosas empresas do mundo, cuja movimentação financeira é maior do que a economia de muitos países (o faturamento da Shell, por exemplo, é comparável com o PIB da Noruega ou da Argentina) e que, segundo dados insuspeitos do FMI (levantados pelo periódico britânico “The Guardian”), recebe nada menos do que o equivalente a 18 trilhões de reais em subsídios por ano!
A conclusão a que se tem chegado, com base nos dados mais recentes do IPCC e da comunidade científica do clima é que nada menos do que 90% das reservas de carvão, petróleo e gás precisam permanecer no chão, para que tenhamos pelo menos 50% de chance de não ultrapassarmos um catastrófico aquecimento global de 2°C relativos ao período pré-industrial. Abandonar os combustíveis fósseis é urgente.
Mas além das petroquímicas e das termelétricas, as mudanças necessárias para resolver a crise climática também atingirão diversos setores, alguns com bastante peso na economia brasileira, como o agronegócio e a mineração.
Com tantos interesses em jogo, como acreditar que a saída esteja em negociações de gabinete, medidas de governos cujas eleições, em muitos casos, dependeram de acordos com esses mesmíssimos grupos econômicos ou com os bancos que possuem trilhões investidos neles? Após 20 “conferências das partes” (COPs), reuniões de cúpula entre os diversos países do mundo, o que se conseguiu? Na maior parte dos casos, apenas medidas irrelevantes, cosméticas, que apenas revelam o quanto esses governos se colocam de joelhos ante o lobby da indústria de combustíveis fósseis e outros grandes grupos econômicos. Apostar no “bom senso” e na “responsabilidade” de grandes empresas capitalistas (cujo lucro depende da possibilidade de continuarem poluindo o planeta e arruinando o clima global) e de governos (que ou são seus cúmplices ou são fracos no enfrentamento a seus interesses) só nos levará a um beco sem saída.
Cientistas (incluindo ganhadores do Nobel) e líderes religiosos, como o Papa Francisco e o Dalai Lama perceberam isto e se tornaram vozes atuantes contra as mudanças climáticas e seus impactos mais perigosos. Mas o combate às mudanças climáticas precisa ser travado fundamentalmente na base da sociedade: não só pelos ativistas e militantes ambientalistas, mas por pequenos agricultores, indígenas e quilombolas, povos do mar e ribeirinhos, comunidades da periferia das metrópoles e das pequenas cidades do interior; por estudantes e pela juventude, por trabalhadores e trabalhadoras. Só um amplo movimento, nas ruas de todo o mundo, oferecerá a oportunidade de que a voz das maiorias seja ouvida. Precisamos de transformações profundas, revolucionárias, em nossa base produtiva e em nossos hábitos de consumo e isso jamais será efetivado como obra de poucos. A mobilização mundial, popular, pelo clima, programada para o dia 29 de Novembro deste ano, às vésperas da COP21 em Paris, certamente será um marco nesse sentido. Em todo lugar, precisamos construí-la!
A reivindicação do movimento mundial pelo clima pode ser resumida numa palavra: futuro. Lutamos pelo direito ao futuro. Para nós e os/as outros/as. Para os que ora são jovens e crianças. Para as crianças que ainda virão. Em oposição a um sistema econômico e político que impõe a lógica do “agora”, do imediato, pensamos na perspectiva do porvir. Em contraposição a uma ideologia que reforça o descartável e o fútil, nossa batalha é pelo permanente e pelo essencial. Em negação à fissura pela posse, pelo lucro e pelo consumo, apostamos no comum e na partilha, no que é, de fato, maior!
• Por Alexandre Araujo Costa
Fonte: Fundação Lauro Campos
A atmosfera é uma delicada demão de verniz que recobre nosso mundo. Se um automóvel pudesse se deslocar diretamente para cima, respeitando limites de velocidade de qualquer autoestrada, em 15 minutos já teria passado por 95% da massa de ar que ela contém. Tênue, delgada e frágil é essa barreira reguladora que controla as trocas de energia entre o sistema Terra e o espaço. A presença em excesso de gases de efeito estufa nessa atmosfera faz com que uma quantidade de calor formidável fique aprisionada no planeta, o equivalente à energia liberada na explosão de 4 bombas de Hiroshima a cada segundo, quase 350 mil dessas bombas num único dia, mais de 120 milhões delas a cada ano.
A cada dia fica mais evidente que não existe questão mais urgente a ser tratada globalmente do que a crise climática. Cresce a fúria das supertempestades, como o Katrina, que vitimou mais de duas mil pessoas em New Orleans ao Haiyan, que matou mais de 6000 filipinos. Secas se tornam mais severas, castigando regiões em 4 continentes, incluindo nossos Nordeste e Sudeste. Ondas de calor se revelam cada vez mais mortíferas, como se viu este ano na Índia e Paquistão à Itália e outros países da Europa; do Irã e Iraque ao Japão. Incêndios têm devastado biomas em locais inesperados como o Alaska e a Sibéria. O degelo nas montanhas e dos mantos da Groenlândia e Antártica se acelera, e o gelo marinho do Ártico desaparece a olhos vistos, obrigando até mesmo uma revisão dos atlas escolares. As projeções apresentadas, por exemplo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (o IPCC, ligado à ONU), têm-se mostrado, na verdade, subestimadas. A realidade é ainda mais grave e as alterações no clima e no ambiente global, mais rápidas.
Engana-se quem acha que a crise climática é uma questão que diz respeito “às elites”. Pelo contrário. Habitantes de países-ilha e de regiões semi-áridas, povos originários do Ártico à Amazônia, idosos e crianças pobres são os que pagam o preço mais elevado do aquecimento do sistema climático terrestre. Trazendo ameaças ao abastecimento de água, à produção de alimentos, aos modos de vida das comunidades tradicionais, às cidades litorâneas, é certo que as mudanças climáticas atingirão a todos em todo lugar, mas como num enorme Titanic com portões cerrados na terceira classe, a marca dos seus impactos é a marca da desigualdade.
Na verdade, evitar o caos climático global é impossível sem que vários dos interesses econômicos mais poderosos sejam atingidos. Isto começa, obviamente, pela indústria de combustíveis fósseis, que inclui algumas das maiores e mais poderosas empresas do mundo, cuja movimentação financeira é maior do que a economia de muitos países (o faturamento da Shell, por exemplo, é comparável com o PIB da Noruega ou da Argentina) e que, segundo dados insuspeitos do FMI (levantados pelo periódico britânico “The Guardian”), recebe nada menos do que o equivalente a 18 trilhões de reais em subsídios por ano!
A conclusão a que se tem chegado, com base nos dados mais recentes do IPCC e da comunidade científica do clima é que nada menos do que 90% das reservas de carvão, petróleo e gás precisam permanecer no chão, para que tenhamos pelo menos 50% de chance de não ultrapassarmos um catastrófico aquecimento global de 2°C relativos ao período pré-industrial. Abandonar os combustíveis fósseis é urgente.
Mas além das petroquímicas e das termelétricas, as mudanças necessárias para resolver a crise climática também atingirão diversos setores, alguns com bastante peso na economia brasileira, como o agronegócio e a mineração.
Com tantos interesses em jogo, como acreditar que a saída esteja em negociações de gabinete, medidas de governos cujas eleições, em muitos casos, dependeram de acordos com esses mesmíssimos grupos econômicos ou com os bancos que possuem trilhões investidos neles? Após 20 “conferências das partes” (COPs), reuniões de cúpula entre os diversos países do mundo, o que se conseguiu? Na maior parte dos casos, apenas medidas irrelevantes, cosméticas, que apenas revelam o quanto esses governos se colocam de joelhos ante o lobby da indústria de combustíveis fósseis e outros grandes grupos econômicos. Apostar no “bom senso” e na “responsabilidade” de grandes empresas capitalistas (cujo lucro depende da possibilidade de continuarem poluindo o planeta e arruinando o clima global) e de governos (que ou são seus cúmplices ou são fracos no enfrentamento a seus interesses) só nos levará a um beco sem saída.
Cientistas (incluindo ganhadores do Nobel) e líderes religiosos, como o Papa Francisco e o Dalai Lama perceberam isto e se tornaram vozes atuantes contra as mudanças climáticas e seus impactos mais perigosos. Mas o combate às mudanças climáticas precisa ser travado fundamentalmente na base da sociedade: não só pelos ativistas e militantes ambientalistas, mas por pequenos agricultores, indígenas e quilombolas, povos do mar e ribeirinhos, comunidades da periferia das metrópoles e das pequenas cidades do interior; por estudantes e pela juventude, por trabalhadores e trabalhadoras. Só um amplo movimento, nas ruas de todo o mundo, oferecerá a oportunidade de que a voz das maiorias seja ouvida. Precisamos de transformações profundas, revolucionárias, em nossa base produtiva e em nossos hábitos de consumo e isso jamais será efetivado como obra de poucos. A mobilização mundial, popular, pelo clima, programada para o dia 29 de Novembro deste ano, às vésperas da COP21 em Paris, certamente será um marco nesse sentido. Em todo lugar, precisamos construí-la!
A reivindicação do movimento mundial pelo clima pode ser resumida numa palavra: futuro. Lutamos pelo direito ao futuro. Para nós e os/as outros/as. Para os que ora são jovens e crianças. Para as crianças que ainda virão. Em oposição a um sistema econômico e político que impõe a lógica do “agora”, do imediato, pensamos na perspectiva do porvir. Em contraposição a uma ideologia que reforça o descartável e o fútil, nossa batalha é pelo permanente e pelo essencial. Em negação à fissura pela posse, pelo lucro e pelo consumo, apostamos no comum e na partilha, no que é, de fato, maior!
• Por Alexandre Araujo Costa
Fonte: Fundação Lauro Campos
0 comentários:
Postar um comentário